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Atividade penitenciária eleva risco de problemas de saúde mental e emocional

Exposição à violência e alta pressão impactam a saúde dos servidores penitenciários; campanha Janeiro Branco alerta para a necessidade de romper o preconceito com o tratamento mental
23/01/2019


Insônia, sensação de vazio, sentimento de desamparo, mau humor e vontade de desistir de tudo são alguns dos sintomas descritos por quem sofre de problemas emocionais e psicológicos.

Porém, embora reconheça os sintomas, por preconceito muita gente ainda têm dificuldade para buscar ajuda profissional. Romper essa barreira é um dos objetivos da campanha Janeiro Branco, realizada em todo o mundo desde 2014 para chamar a atenção da população para a necessidade de cuidados com a saúde mental e emocional.

Atividades como a de agente penitenciário elevam os riscos de adoecimento desses profissionais. A Organização Internacional do Trabalho aponta a profissão como a segunda mais perigosa do mundo e as pressões sofridas nessa atividade contribuem para os riscos de distúrbios mentais.

Uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Operários do Cárcere. 2016) revelou que 46% dos agentes têm algum problema de saúde diagnosticado. Os problemas mais recorrentes são pressão alta, depressão, ansiedade e obesidade. 48% dos agentes disseram tomar medicação contínua, dos quais 82% para tratar doenças de origem psicossocial.

Em 2017, um relatório da Organização Mundial de Saúde apontou que a depressão é a maior causa de invalidez no mundo. A doença já afeta 300 milhões de pessoas no planeta.

Buscar ajuda enquanto é tempo

Especialistas ressaltam que quebrar o preconceito em torno do tratamento psiquiátrico é fundamental. “Como psiquiatra, vejo diariamente as consequências do estigma que cerca a doença mental. São pessoas que não procuram tratamento por medo de serem discriminados, familiares que atribuem sintomas mentais à preguiça ou má vontade, pacientes que perdem oportunidades de emprego pelo simples fato de tomarem medicamentos”, alerta o psiquiatra Daniel Martins de Barros, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP.

Para o dirigente sindical Rodrigo Fontoura, os dados revelados pela pesquisa do SINDARSPEN podem ser ainda mais graves, já que muitos agentes ainda têm resistência para reconhecer um distúrbio emocional ou mental. “Temos colegas que visivelmente estão passando por dificuldades emocionais, mas que querem seguir se mostrando imbatíveis, como se reconhecer que está doente fosse uma derrota. Precisamos mudar essa ideia. Já perdemos muitos amigos que não aguentaram a dor da depressão e da ansidade e acabaram se suicidando”, relata.

 

 “Somos uma esponja de problemas”

 

Agente penitenciário há quase onze anos, Julio Cezar Modesti começou a sentir o peso psíquico da profissão desde o início. Há 4 anos, após o falecimento de seu pai, a doença originada no trabalho se agravou, o que o fez buscar ajuda profissional.

“Como agente, somos uma esponja de problemas dos outros. Somos uma esponja de problemas do Estado e dos presos. Só que, às vezes, não conseguimos esvaziar a esponja e isso nos adoece gravemente. Foi o que aconteceu comigo. Quando meu pai faleceu, foi apertado o gatilho da doença que já estava instalada em mim”, conta.

Desde que iniciou o tratamento, Modesti já teve algumas recaídas e por vezes chegou a pensar no pior. “Eu tenho certeza que se eu não tivesse tendo um acompanhamento profissional ao longo desses anos, talvez já tivesse feito como muitos colegas, já tivesse cometido suicídio”, revela. “Reconhecer que está doente é o primeiro passo pra buscar ajudar”, aconselha.

Necessidade de atendimento ocupacional

Embora o tratamento possa ser realizado pelo Sistema de Assistência à Saúde do Governo do Paraná (SAS) ou ainda pelo Sistema Único de Saúde, por meio dos CAPS, o SINDARSPEN está buscando que o governo implante no Paraná um programa específico para cuidar da saúde dos agentes.

No final do ano passado, o Sindicato entregou ao DEPEN uma proposta de programa de atenção à saúde ocupacional dos servidores penitenciários. “A nossa atividade profissional tem uma natureza exaustiva e degradante e o Estado tem a obrigação de nos assistir nas sequelas que carregamos em decorrência dos serviços que prestamos a toda a sociedade”, destacou o vice-presidente do Sindicato, José Roberto Neves, ao fazer a entrega simbólica do documento ao DEPEN durante a abertura da 3ª Semana de Saúde do Trabalhador Penitenciário, em novembro passado.

A minuta foi elaborada com base na Resolução n° 1/2016, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça, que dá as diretrizes para a implantação e manutenção de programa de atenção à saúde e qualidade de vida dos servidores penitenciários. O projeto contempla todas as áreas de saúde que podem ser afetadas pela profissão.